Ouvimos muitas vezes pessoas queixando-se da sua família. Se
o assunto central das terapias envolve desconfortos com a família, por que será
que ninguém se insurge contra esse tipo de estrutura emocional e social? Por
que ninguém busca oxigenar as relações familiares e reformular os vínculos
sociais? Tornar os laços familiares mais frouxos e menos absolutos? Por que
pensamos na família apenas quando ela explode para toda a vizinhança? Por que a
família não é motivo de teorias e intervenções políticas?
A criação familiar, centrada em pouquíssimas pessoas para se
amar, reproduz eternamente a noção de que intimidade é algo para poucos, ou quase ninguém. As conseqüências já são sabidas e vivenciadas.
Temos medo de nos entregar, de conhecer os outros, de forma verdadeira e
amorosa. Amar é algo que nos dá medo, só esquecemos onde esse medo foi ensinado
e reforçado.
Amar mais de uma pessoa não é possível na sociedade
ocidental. O amor tem que ser único e
eterno, geralmente direcionado para uma
só pessoa. Porém os conflitos e sofrimentos existenciais nos indicam que não
parece ser assim que sentimos de fato.
Ao invés de assumirmos que as relações são menos óbvias e
lineares quanto queremos aparentar, reproduzimos diariamente falas e atos que
nos aprisionam e limitam emocionalmente. A visão ainda reinante de família afeta
negativamente nossa forma de existir. Não
sabemos muito bem quando foi que começamos a pensar que os “lá de fora são
perigosos”. Perigosa é a sociedade que enfatiza tanto a família, “o nosso lar”,
o valor a quem é “sangue do nosso sangue”. Pensar que os laços vão além do
biológico é um prenúncio de uma sociedade menos preconceituosa e autoritária.
É importante perceber que essa “intimidade única” propagada
na família é o passo seminal para os autoritarismos futuros. Onde será que as
pessoas aprendem a dominar e chantagear umas as outras? Temos a noção
retrógrada de que a família é intocável. Que as coisas que pai, mãe e filho
fazem não podem ser colocadas nunca em questão. A miséria de muitas pessoas
reside nessa crença, na qual o poder ainda é exercido de maneira indiscriminada.
“Mãe é mãe, tem que respeitar”, independente o quão carrasca ela seja. A célula
de submissão está aí. Muitos querem ser pais não para criar e deixar o filho
viver, e sim para poderem exercer o poder a qual foram submetidos durante a
infância.
Por outro lado uma criação que seja horizontal e
despreendida pode sim formar pessoas menos subservientes ao sistema. E essa
maneira de educar e se relacionar está longe de não ser afetiva. Esse é outro
engano muito comum, muitas vezes usado a exaustão nos relacionamentos: “eu te
amo, por isso você precisa acatar o que eu quero, você precisa obedecer quem te
quer tão bem”. E mais adiante não irá ter terapia ou sociedade que seja
saudável. A chave que explica o motivo de poucos se rebelarem reside no fato de
que não percebemos que estamos submissos, em grande parte, emocionalmente ao
sistema. Racionalmente já teríamos nos
libertado das injustiças cometidas a nós.
É nesse ponto que eu acredito que a política formal naufraga
como ação de emancipação. Queremos questionar os deputados, senadores e outros
mandantes eleitos. Mas estamos encalacrados até o pescoço com os autoritarismos
vividos nas nossas relações afetivas. Dessa forma nossa libertação é apenas uma
idéia, nunca uma prática.
Dizer não ao governo é relativamente fácil nos dias de hoje,
agora seguir um caminho próprio e autêntico, independente do que sua família e
amigos vão dizer é que são elas. Não adianta gritar por liberdade nas ruas da
cidade e exercer tiranias dentro de casa, na cama, na cozinha e no trabalho.
Ciúmes, brigas e repetidas discussões de casal e família.
Para mim é líquido e certo que a verdadeira revolução
começará a partir das microrrelações, de um ponto onde poucos acreditam ser a
gênese da transformação social. E de
fato desacredito em qualquer organização política e social que não enfrente
ferozmente esses temas abordados nesse texto.
O poder só se quebra a partir da adoção de postura amorosas
e libertárias em cada momento vivido. Primeiro
isso, depois o resto virá, sem dúvida.
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