domingo, 30 de maio de 2010

Assumir a materialidade (parte 1: do corpo)

Este assunto está relacionado a inúmeros tabus e preconceitos da mente humana. Nem sempre ficamos confortáveis em lidar com o plano material da existência. A matéria esta enraizada no cotidiano, porém isso não significa que somos íntimos de sua devida apropriação e fruição. Vejam o corpo, por exemplo. Poucos são aqueles que possuem consciência e se sentem confortáveis em sua morada biológica. A cultura religiosa tornou o corpo impuro, fonte de pecado e negatividade. O homem da cultura católica não possui corpo, é uma alma que vaga desengonçadamente num soma qualquer. Indo mais adiante, veremos que até algumas ciências- que se dizem liberais e modernas- possuem dificuldades em encarar a materialidade corporal .
Observem o saber psicanalítico. Esse conhecimento se orgulha de ter dado um golpe fundamental na ilusão humana, afirmando que o homem, na verdade, não se conhece de fato. Além dessa premissa, essa teoria desvelou a sexualidade humana, quebrando tabus e gerando muitas transformações culturais com os seus postulados. Essas ideias resultaram em um grande conflito e uma aberta hostilidade da igreja católica em relação a psicanálise. Porém a psicanálise mostrou, por meio da sua evolução histórica, que não conseguiu superar certos tabus em sua prática e teorização. Não quero afirmar que isso a torne menos válida e importante, mas penso ser uma grande lacuna a ser pensada e preenchida. A psicanálise, através de sua metodologia terapêutica, desconsidera o valor do corpo no tratamento. Qual seria a mensagem central da presença do divã na terapia? Você tem um psiquismo, que se revela em palavras (faladas) sem pensamento prévio, mas não possui um corpo, é apenas uma voz que diz. O divã separa corpo e psique, tal como Descartes e a Igreja também fizeram há tempos atrás. Os críticos de plantão podem dizer que isso já é passado, que o divã não existe mais na terapia psicanalítica. Isso até é verdade, mas a teoria construída ainda enxerga o corpo como um fantasma e não como uma realidade. As teorias psicossomáticas atuais tentam disfarçar esse vazio a respeito do soma. Entretanto, atribuem a mente o papel principal na determinação das doenças, sendo que o corpo e a psique não possuem valores iguais. O corpo pode adoecer por sentimentos mal resolvidos, (o que é comprovado na experiência terapêutica) porém a psique não se transforma nem melhora por meio de uma intervenção corporal. Resumindo: na teoria psicanalítica a mente determina o corpo, é só através da modificação mental que se alcança a transformação somática.
Citei a sexualidade de passagem. Em termos claros: a terapia psicanalítica faz o obsessivo ficar menos obsessivo ao lidar com idéias acerca de sua sexualidade, porém nada se diz a respeito de uma melhora através da vivência da sexualidade. Pensar sim, viver não. Conseguem enxergar água benta e uma cruz marcadas na constituição do totem freudiano?
A prova maior de que não estamos acostumados com o corpo e a sexualidade é a mídia e os programas que exploram de forma sensual o corpo na televisão. É óbvio que quando vemos o belo nos mobilizamos, mas, se fossemos mais acostumados com a vivencia corporal e sexual não ficaríamos uma ou várias horas hipnotizados na TV, de repente uns dez minutos somente. Outro exemplo, extremamente contraditório, mas compreensível. Quer parar de ficar excitado ou excitada na praia? Peça para todos tirarem a roupa. A gente só fica curioso com o corpo porque o cobrimos e o adornamos, quando ele é exibido de uma forma simples e direta, as fantasias e elucubrações se esvaem. Pensem no médico... o corpo nu, quando encarado com simplicidade, se torna tão comum...
Para não deixar rastro de duvida. Não penso que ficar na academia 3 horas por dia seja pensar no corpo de uma maneira livre e saudável (se o sujeito for atleta ou viver do corpo é mais compreensível essa prática). Afirmo que é indispensável nutrir nossa vivência com cultura, relacionamentos, atividades mentais e sociais. Não obstante, creio que se torna vital (e revigorante) ter experienciais corporais e sensoriais na nossa trajetória. Até porque a minha mente faz parte do meu corpo, e meu corpo faz parte da minha mente. Parece simples, e de fato é.