domingo, 12 de junho de 2011

San Valentin

Por toda a minha vida sempre me perguntei: será que existem, de fato, histórias de amor? Naquele verão aconteceu algo que fez reacender a chama dessa inquietação. Estava eu a veranear em Mariluz, praia do litoral gaúcho, quando presenciei um encontro bem peculiar.


Quem eram estes seres? Como eram os seus caminhos? Ela era uma menina recatada, simpática e com olhar onírico. Estava no hotel acompanhado os pais. Aquele hotel não era novidade para ela. Sempre passou as férias por lá, em incontáveis verões. Sentia-se entediada ao ver os mesmos rostos e ao realizar as mesmas atividades. A garota, atrás do semblante pacato que aparentava, carregava em si muita curiosidade e sede de viver histórias inusitadas. Tinha uma alma aventureira, por trás da fachada cordial de seu sorriso. Situava-se em uma etapa lúdica e descompromissada, tinha se magoado ao investir seriamente em algumas pessoas do passado. Queria adentrar em uma nova fase.


Ele se encontrava em outra direção naquele momento. Foi ao hotel para descansar, tocar violão e pensar na vida. Adorava refletir-se na existência. Era um cara desconfiado, simpático, mas com um jeito esquisitão. Conhecia muitas pessoas e era muito bem humorado, porém poucos o conheciam em sua intimidade.


Os caminhos deles se cruzaram quando o recreacionista, em tom eufórico, pediu para que ele tocasse violão para as pessoas do hotel. Ele titubeou, porém aceitou. Pensava que não tinha nada a perder mesmo. Mal sabia ele o quanto estaria mudando seu destino dando aquele singelo sim.


No meio da apresentação o músico notou que uma pessoa em especial cantava praticamente todas as músicas que ele entoava. Ao final de cada canção, ele pensava intrigado e feliz ao mesmo tempo: quem será essa guria tão sorridente e com uma memória tão abundante? Ela, vendo ele cantar, questionava-se em alguns instantes: quem é esse cara, o que está fazendo aqui nesse hotel? Será que está sozinho? Ou veio com a família? Eu observava tudo e imaginava o desdobramento desse enredo, tendo a intuição de que aquele encontro iria gerar outros movimentos.


Após o descanso da noite e ao ascender do dia eles se encontraram na academia. O rapaz tentou uma aproximação, porém ela foi distante e pouco comunicativa. A sua atitude destoou daquele sentimento inicial, captado na noite anterior. Parecia que alguma coisa estava errada, as cousas simplesmente não faziam sentido para ele. A menina também se percebeu estranha, entretanto não soube evitar a forma com que o tratou naquele momento. Descobriram que estavam na mesma faculdade, ele era do prédio 11 e ela do 12. Trocaram algumas outras informações triviais e, como aquele encontro tinha sido efêmero, ambos seguiram suas atividades no hotel.


Depois do ocorrido ele tinha deixado de lado as expectativas, não estava se importando lá com muita coisa. A noite chegou e ele seguiu a tocar seu violão despretensiosamente. Resolveu pegar seus apetrechos e foi para um banco perto do campo de futebol. Lá estava calmo e com uma ambiência inspiradora para processos criativos. Nisso, a menina observou que ele estava tocando há um bom tempo e decidiu passar por lá para conversar e passar o tempo, que corria de forma tão monótona. Mas ao mesmo tempo ela se angustiou. Como uma pessoa tão tímida teria coragem de ir lá espontaneamente para bater papo? Hesitou muitas vezes antes de ir, contudo resolveu ir ao campo de futebol de coração aberto.


Quando a voz dela se anunciou ele tomou um susto. Não esperava que a moça, depois do episódio da academia, estaria querendo a companhia dele. Tinha a impressão de não ter agradado. Quando conseguiram avançar sobre a vergonha, começaram a se conhecer de verdade. Ela foi mostrando o seu senso de humor observador e sua doçura através da voz e dos gestos. O rapaz foi mostrando o quão sensível era frente ao universo e aos afetos, apesar da máscara despreocupada e onipotente que ostentava muitas vezes. A escuridão da noite trouxe luz e foco para aquilo que os dois tinham de mais especial. E embalados sob o ritmo da música e da lua cantaram muitas canções. Quem observava aquele acontecimento de longe sabia que realmente era um instante especial na vida dos dois. Parecia um roteiro de cinema: anoitecer de verão, música e apaixonamento.


O rapaz, ao perceber o quanto estava envolvido por aquela atmosfera, não pensou duas vezes. Largou o violão e a beijou subitamente. Ela tomou um susto, porém não resistiu à atitude dele. Vendo esse beijo concluí que de fato estava certo acerca daquela intuição inicial. Nunca mais os encontrei, mas quando me perguntam sobre uma história de amor inusitada essa é a primeira que me vem à cabeça. Acho que poucas pessoas se conheceram de uma maneira tão singular como aquela.