segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Renovação no olhar do viajante

Viajar sempre é uma experiência rica. Conhecer novos lugares ativa pontos, até então, desconhecidos da gente. Sair de nossos “portos alegres e seguros” proporciona relatividade sobre nós mesmos. Temos a tendência de achar que nossos valores são absolutos. Viajar nos dá chance de quebrar a rigidez que carregamos muitas vezes no nosso jeito de viver.
E isso se aplica na vida cotidiana. Quanto mais pessoas conhecemos, mais gostamos daquelas que realmente nos fazem bem. E não ao contrário. Pessoas que não se abrem ao novo correm mais riscos de abandonar o velho, justamente porque com o novo até o velho se renova e ganha mais brilho.
A traição é assim, quanto mais se está acostumado e estagnado, mais se está propenso a enamorar-se por situações que provoquem contraste da situação experienciada na rotina. Não se está apaixonado pela pessoa nova em si, e sim pela sensação de renovação que a aquela pessoa traz e incita na gente.
É por isso que eu voltei ainda mais apaixonado pela cidade e pelas pessoas que conquistei aqui. Às vezes temos que dar a volta ao mundo para sabermos que nosso lugar de fato era o ponto de partida.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O Homem escondido

Todos desejam a mulher no mundo contemporâneo. Receptiva, compreensiva, macia, suave, intuitiva, piedosa, linda, poderosa, glamurosa... Quem seria louco de não querer também, né? O que sobre para o homem de hoje? Agressivo, manipulador, inconsciente, intolerante, infantil, desordeiro...
É assim que nos vemos atualmente. A mulher de hoje é arrojada, sabe tudo, tem iniciativa, trabalha, cozinha e cuida dos filhos, como as revistas não cansam de panfletear.
Ser homem hoje é um quase um desaforo. Não é à toa que estamos (nós, homens) nos tornando mulheres, além de continuarmos desejando as mulheres. As carcterísticas ditas masculinas são tachadas como inferiores e como compensação acabamos vivendo-as de forma inferior também.
Não se trata de depreciar a mulher, e sim de colocar o homem no mesmo patamar de julgamento. É claro que não se pode ignorar a opressão que a mulher sofreu durante toda a história, mas isso não é justificativa para se vingar ou causar a mesma opressão que foi impingida.
Uma das frases que mais me fascina é essa: “as mulheres estão masculinizadas”. A pessoa, que diz essa frase, quer passar a noção de que a mulher está sendo tão miserável e escrota como o homem. Está traindo como um homem, fazendo sexo como um homem. Mas peraí, então a mulher não sente isso autenticamente, ela copia simplesmente o que o homem faz? Ela escraviza e domina porque se identifica com o homem? Isso que é realmente interessante, o que a mulher faz de admirável é feminino, e o que faz de deplorável é masculino.
A mulher hoje é divina e especial, o homem faz guerras e destrói o mundo. É o mesmo que dizer que o homem é fofoqueiro porque está imitando as mulheres. O homem é fofoqueiro da mesma forma que a mulher pode ser capaz de fazer guerras. Na verdade o homem está cada vez mais agressivo porque está castrado, não consegue mais expressar seus instintos e sua animalidade de uma forma natural. É um homem escondido, asfixiado, que quando liberto provoca uma catarse incontrolável e muitas vezes nociva.
Homem e mulher possuem defeitos e virtudes aleatórios, não é demérito ter nascido homem e nem uma benção ter vindo mulher ao mundo. Cada um é divino e diabólico à sua maneira.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Encarando

Pegue um elevador com uma pessoa desconhecida e se observe. Conclui-se que é uma das situações mais constrangedoras que passamos na vida cotidiana. Por que? Primeiro porque no elevador temos que olhar, não temos escapatória. E ao olhar o outro algo é despertado, querendo ou não. Repulsa, desejo, simpatia, etc. Vivemos em mundo onde o contato físico é menos constante que antigamente, portanto não estamos tão acostumados a sentir o outro. Nosso olhar chega a ficar vesgo de tanto observar, mas entrar em contato nem pensar...
Isso quer dizer que olhamos, mas sem a atenção de fixar objetivamente o olhar sobre algo, o que é bem diferente. Note quando você olha atentamente alguém, por mais tempo... logo logo você será julgado como mal educado ou invasivo. "Não quero que fiquem olhando para mim"...
Você se olha no espelho por muito tempo, mas não admite ser olhado pelo outro, o que isso quer dizer? Que somos extremamente vulneráveis e inseguros sobre quem somos. O olhar do outro me desnuda, e o meu próprio olhar (no espelho) me deixa estático, só confirma aquilo que imagino ser. Só nos sentimos julgados porque julgamos a torto e a direito. Por isso não temos paz. Se eu sair com um cabelo verde na rua vão rir de mim. Não é verdade absoluta, pode até ser, quem sabe, mas quem vai rir realmente de alguém com cabelo verde sou eu mesmo. Aquele que mais evita ser piada é aquele que mais ri daquele que é alvo da piada. Abertamente ou de uma forma dissimulada.
A virtualidade das relações acentuou ainda mais essa incapacidade de empatia e percepção alheia, ficamos amedrontados quando somos colocados em situações de interação próxima com estranhos. Estamos tão fragilizados que o contato se tornou ameaçador, o outro se tornou o inferno. Mas o que esquecemos que o outro é apenas uma invenção, os outros somos nós, quem eu evito olhar é uma parte minha que ainda está adormecida. Que tal acordar e realmente, olhar?

domingo, 6 de setembro de 2009

Solidão ou multidão em nós

Solidão. Sensação que faz o mundo se mover de infinitas formas. Uns tentando fugir, uns sofrendo para aceitar e raros desfrutando e compreendendo o prazer de se descobrirem, sós.
Podemos estar rodeados de pessoas e, mesmo assim, nos sentirmos solitários, ausentes, e distantes. Por mais contraditório que pareça, o ser humano é capaz de ter uma multidão em si mesmo e mesmo assim se sentir solitário.
Todos nós temos vozes internas (isso não é esquizofrenia, ou será?), basta identificá-las. Que fome! Que dia chato! Não devia ter feito isso! Como eu gosto de fulano! Quem diz isso? Será que é você mesmo?
Somos habitados pelos sons da nossa família, não podemos estancar seus ruídos, que reverberam em nosso ser. Abrigamos infinitas vozes: dos nossos amigos, comerciais de televisão, das músicas que ouvimos, dos professores e mestres, de inimigos, etc, enfim, sua memória é a prova de que você está repleto de sons, mas não apenas sons, mas olhares, expressões, movimentos, cenas, roteiros, cenários.
Voltando a solidão. “Me sinto só”. Geralmente essa frase, quando dita em tom choroso, não expressa o que realmente se quer dizer. Soaria mais aceitável algo como “preciso de alguém, quero uma companhia, preciso compartilhar, necessito de carinho”. Isso porque você nunca esteve só, nasceu cercado de pessoas. Sua mãe bateu papo e lhe deu um lar durante nove meses, lhe deu comida, cantou até, quem sabe. A questão é que reclamamos da solidão porque não olhamos para nós mesmos, não percebemos que somos como um, entretanto, uma multidão. Descobrir isso é assutador. Isso porque quando nos olhamos a fundo achamos ecos que não nos agradam, palavras e coisas que nos deixam desconfortáveis.
Fugir da solidão. Não seria melhor então dizer “fugir da multidão”? “Por favor, não me deixe aqui com essa multidão, essas vozes contraditórias vão me deixar atordoado”. “Delete esses meus arquivos internos, parece que estou repleto de vírus e cavalos de tróia, vou ter uma pane, pifarei”.
É o que tememos, estar a mercê de nossos pensamentos. O dito popular “a mente vazia é a oficina do diabo” não é por acaso. Não pensar em nada é estar repleto de pensamentos, de todos os tipos e intenções (na verdade não é bem assim, em outro texto eu me explico).
A terapia é simplesmente um exercício de audição, pois naquele lugar vou ouvir as vozes que eu estava abafando durante muito tempo.Gritos, revoltas, mágoas, exaltações, planos, tudo registrado e latente por vários anos. É compreensível que as pessoas que se descobrem múltiplas precisam de um tempo a sós, fisicamente falando. É como uma reunião de condomínio, na qual o síndico descobre vários moradores novos. É preciso tempo para conhecê-los, cobrar o aluguel de alguns, questionar outros, se enamorar e admirar inúmeros.
Por isso não nos entendemos, você quer entrar em concordância com algo externo estando completamente dividido por dentro? Impossível. Quanto mais você se ouve mais aceita os outros, simplesmente porque você já ouviu algo parecido dentro de você. A gente deixa de ser julgador, porque se dá conta que temos todos os personagens de todos os enredos do mundo. E lhes digo, quanto mais você não tomar conhecimento de algum morador, mais chances ele tem de comandar o condomínio inteiro sem que você saiba.

Um poema curto e ilustrativo do texto:

Não me sinto só
Um dia fui só
Hoje só sou porque sou apenas
Só.

( Giordano)