O avanço galopante da ciência nos
impôs, simultaneamente, ascensão e queda. A cada dia inventamos técnicas de
aperfeiçoamento do corpo e das nossas condições materiais. Por outro lado
negligenciamos cada vez mais nossa dimensão transcendental. Isso acarreta
muitas consequências e sofrimentos que se manifestam no cotidiano. Engana-se quem afirma que a maior repressão
ocidental se refere ao corpo. Na verdade ele é mais pervertido que reprimido. A
espiritualidade é tão reprimida que é quase nula nas reflexões cotidianas. Quando
surge geralmente tem um viés pragmático e finalista. A expansão de algumas
religiões nos indica essa tendência. Hoje adere-se a uma crença religiosa com a
esperança clara de mudança na situação material. Reza-se para ter saúde,
sucesso, dinheiro e relações afetivas. A espiritualidade, como algo íntimo e
singular, está definitivamente fora de pauta. Pensada como meio de nos
conectarmos com uma dimensão transcendente então, nem pensar.
A espiritualidade ocidental está
mais a serviço do ego do que com o objetivo de superá-lo e dissolvê-lo. Nos
apropriamos dela tal qual uma ferramenta, quando ela que deveria se apropriar
de nós, tomar-nos de assalto. Pode se dizer que há uma repressão de sentido
maior, a nossa existência se coloca unicamente no aqui e agora, ignorando a
subjetividade contida na materialidade.
Estudos científicos são
desenvolvidos freneticamente para poder colocar a espiritualidade como algo
válido e permitido, tirando a aura "mística" que a revestia em épocas anteriores.
A espiritualidade só tem valor perante a ciência quando palpável e aplicável.
Ao invés de ser um caminho possível quando nos questionamos sobre o sentido da
vida concreta, somos espirituais para reafirmar que a vida é a interminável
busca de obtenção de entretenimento e fruição da matéria. Nossos hábitos e relações tornam-se ocos. O
viver é uma sucessão de rituais vazios, sem um significado maior.
O biologicismo fica tão
exacerbado que joga o sujeito muitas vezes para a depressão, considerada um dos
males do século. As adicções são exemplo dessa repressão transcendental. Na medida que a distração se esgota não temos muito
o que fazer, parece que chegamos no fim da jornada, os sentidos estão na máxima
estimulação, não há nada novo para sentir. O tédio também é um dos sintomas
comuns do nosso tempo, tudo já foi feito e experimentado. Poucos se dão conta que
é nesse momento que a espiritualidade grita em nosso interior, pois o externo já
foi transformado de diferentes maneiras. É chegada a hora de tocarmos em algo
que está muito perto, mas quase inacansável ao mesmo tempo: nossa dimensão
espiritual.