A repressão transcendental gerou,
principalmente no ocidente, um fenômeno muito curioso: religiões que não
almejam o religar, a busca por algo inefável, e sim doutrinas que pregam a
desconexão do sujeito com o todo. Religiões que incentivam o triunfo dos
vencedores perante os de “pouca fé”.
Crenças intolerantes com os desviantes.
A ausência da espiritualidade se
reflete na nossa organização social: altamente belicosa, desconfiada do outro e
desprovida de empatia. Na medida em que as pessoas não são incentivadas a se
conhecerem melhor, reina o mecanismo da projeção dos sentimentos, o errado é
sempre alguém que não eu.
Nosso caldo cultural torna-nos
inexoravelmente inconscientes de nossos desejos e intenções. Vivemos temendo os
nossos sentimentos, que por não serem aceitos e compreendidos, viram desajustes
emocionais, tornando nossas relações interpessoais um desastre anunciado.
A busca espiritual não nos salva
totalmente do caos em que estamos imersos. Não mesmo. Mas o desenvolvimento de uma caminhada
interna torna-nos mais empáticos com o outro e com uma melhor relação com o
coletivo e com a natureza. Vamos adquirindo a noção de que estamos interligados
com o universo de uma forma inexorável. As relações vão apontando pedaços do
nosso quebra cabeça afetivo e espiritual. Vamos descobrindo que afetamos o
nosso contexto de maneira contundente, tanto pro bem como pro mal, aumentando
nossa responsabilidade e liberdade.
Espiritualidade é um fenômeno que
pode muito bem pertencer à esfera do cotidiano. Não como uma ilusão que nos
aliena, mas como uma busca por sermos melhores a cada dia e diminuir o
sofrimento que nos marca diariamente. Não se limitar ao nosso cotidiano, buscar
respostas para além do que vivemos conscientemente. Chegar à conclusão de que
somos únicos e por isso mesmo nossa contribuição é fundamental para o todo.
Quando percebemos que somos parte de um todo, identificamos nesse todo coisas
nossas também. Percebemos que a maldade não pertence só ao outro, assim como a
conclusão de que a bondade não é uma qualidade exclusivamente nossa. Olhamos
nossa vida de forma mais humilde e as relações tornam-se mais fraternas, pois
vou deixando de temer o desconhecido que o outro me traz a cada momento.
Acessar uma dimensão
transcendental acentua nossa racionalidade, porque conseguimos perceber que a
razão possui um limite e que negar esse fato pode se tornar extremamente danoso
para a nossa sanidade.
Enxergamos nossas limitações com
mais clareza, tendo assim muito mais possibilidade de superá-las. Em algum
momento da nossa existência perguntamos se o que vivemos faz sentido. A
espiritualidade não nos dá essa resposta, mas através do autoconhecimento
ficamos fortalecidos para lidar com as nossas fragilidades e incompletudes. A
dor vira entendimento, e isso faz toda diferença. Para mim e para o universo.