domingo, 6 de setembro de 2009

Solidão ou multidão em nós

Solidão. Sensação que faz o mundo se mover de infinitas formas. Uns tentando fugir, uns sofrendo para aceitar e raros desfrutando e compreendendo o prazer de se descobrirem, sós.
Podemos estar rodeados de pessoas e, mesmo assim, nos sentirmos solitários, ausentes, e distantes. Por mais contraditório que pareça, o ser humano é capaz de ter uma multidão em si mesmo e mesmo assim se sentir solitário.
Todos nós temos vozes internas (isso não é esquizofrenia, ou será?), basta identificá-las. Que fome! Que dia chato! Não devia ter feito isso! Como eu gosto de fulano! Quem diz isso? Será que é você mesmo?
Somos habitados pelos sons da nossa família, não podemos estancar seus ruídos, que reverberam em nosso ser. Abrigamos infinitas vozes: dos nossos amigos, comerciais de televisão, das músicas que ouvimos, dos professores e mestres, de inimigos, etc, enfim, sua memória é a prova de que você está repleto de sons, mas não apenas sons, mas olhares, expressões, movimentos, cenas, roteiros, cenários.
Voltando a solidão. “Me sinto só”. Geralmente essa frase, quando dita em tom choroso, não expressa o que realmente se quer dizer. Soaria mais aceitável algo como “preciso de alguém, quero uma companhia, preciso compartilhar, necessito de carinho”. Isso porque você nunca esteve só, nasceu cercado de pessoas. Sua mãe bateu papo e lhe deu um lar durante nove meses, lhe deu comida, cantou até, quem sabe. A questão é que reclamamos da solidão porque não olhamos para nós mesmos, não percebemos que somos como um, entretanto, uma multidão. Descobrir isso é assutador. Isso porque quando nos olhamos a fundo achamos ecos que não nos agradam, palavras e coisas que nos deixam desconfortáveis.
Fugir da solidão. Não seria melhor então dizer “fugir da multidão”? “Por favor, não me deixe aqui com essa multidão, essas vozes contraditórias vão me deixar atordoado”. “Delete esses meus arquivos internos, parece que estou repleto de vírus e cavalos de tróia, vou ter uma pane, pifarei”.
É o que tememos, estar a mercê de nossos pensamentos. O dito popular “a mente vazia é a oficina do diabo” não é por acaso. Não pensar em nada é estar repleto de pensamentos, de todos os tipos e intenções (na verdade não é bem assim, em outro texto eu me explico).
A terapia é simplesmente um exercício de audição, pois naquele lugar vou ouvir as vozes que eu estava abafando durante muito tempo.Gritos, revoltas, mágoas, exaltações, planos, tudo registrado e latente por vários anos. É compreensível que as pessoas que se descobrem múltiplas precisam de um tempo a sós, fisicamente falando. É como uma reunião de condomínio, na qual o síndico descobre vários moradores novos. É preciso tempo para conhecê-los, cobrar o aluguel de alguns, questionar outros, se enamorar e admirar inúmeros.
Por isso não nos entendemos, você quer entrar em concordância com algo externo estando completamente dividido por dentro? Impossível. Quanto mais você se ouve mais aceita os outros, simplesmente porque você já ouviu algo parecido dentro de você. A gente deixa de ser julgador, porque se dá conta que temos todos os personagens de todos os enredos do mundo. E lhes digo, quanto mais você não tomar conhecimento de algum morador, mais chances ele tem de comandar o condomínio inteiro sem que você saiba.

Um poema curto e ilustrativo do texto:

Não me sinto só
Um dia fui só
Hoje só sou porque sou apenas
Só.

( Giordano)

3 comentários:

  1. De todos os teus textos (que tive o privilégio de ler em primeira mão), esse é o que mais me identifico... Eu tinha medo de ficar sozinha, pois temia mais a mim que aos outros... E foi conhecendo essas "Thaínas" escondidas que me senti mais a vontade com os outros... Que consegui reconhecer um pouquinho de mim nos outros... E que senti a necessidade de ter meu próprio tempo... Adoro esse texto! ^^
    Beijinhos! ^^

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  2. Belo texto, cara! Me identifiquei bastante mesmo. Sobretudo, porque acredito que esteja vivendo uma fase de questionamentos intensos tbm. A chave de tudo mesmo, é a constante reconstrução. A existência, deveras, é um processo constantemente inacabado...

    abraços!

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  3. Cara, também me identifiquei como a Hina e o Fred. Acho que quem lê com calma certamente se identifica... é difícil escutar a multidão e administrá-los.Fiz 2 anos e meio de terapia e foi uma fase maravilhosa da minha vida, não deixava passar nada. Hoje em dia sinto falta de exorcisar essas coisas. Se conhecer dói, mas a tendência é melhor e diminuir(assim espera-se) o sofrimento ao confrontar certas coisas. Obrigada por esse texto, eu precisava ler algo assim. Tu não tem idéia do quanto!
    Beijo!

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